As narrativas são partes essenciais da Bíblia. A vida de reis, rainhas, profetas, juízes, líderes, homens e mulheres que participaram do projeto de Deus ao longo da história bíblica são fontes de inspiração e de conhecimento fundamentais. Entretanto, cometemos o erro de utilizar as narrativas de forma independente, sem avaliar os atos praticados. Na verdade, uma narrativa precisa ser confrontada com os valores morais da Bíblia, para, então, ser utilizada como fonte de aplicação prática para nossas vidas.
Veja o caso de Elias. Todos se lembram do confronto com os quatrocentos e cinqüenta profetas de Baal e os quatrocentos profetas de Aserá (I Reis 18). Essa passagem já foi pregada milhares de vezes ao longo do tempo, tendo como referência o extraordinário confronto, no qual o profeta do Senhor conseguiu demonstrar que o verdadeiro Deus era o Senhor. O próprio povo, ao ver que caira fogo do céu para consumir o sacrifício, estando já prostado, gritou: “O Senhor é Deus! O Senhor é Deus!”.
Mas, preste atenção ao que veio depois. Essa parte, aliás, é muito celebrada nas pregações!
Depois de demonstrar que o verdadeiro Deus era o Senhor, Elias estabeleceu a sentença de morte: “Prendam os profetas de Baal. Não deixem nenhum escapar!” (18:40). O povo imediatamente prendeu os profetas, que foram totalmente exterminados, mais de novecentas pessoas. Esta atitude de Elias não foi adequada, eu diria que foi de fato um pecado grave diante de Deus.
Explico. A história de Elias, como profeta de Deus, revela uma relação íntima, na qual Deus orientava os passos do profeta. Primeiro, ele profetizou a Acabe a seca “nos anos seguintes” (17:1). Depois, Deus o orientou a ir ao riacho de Querite (17:2). Ele ficou lá, sendo alimentado por corvos até que as águas secaram (17:7).
Então, Deus o instruiu a ir à casa da viúva, em Serepta (17:9). Lá, ele foi miraculosamente sustentado pela viúva. Mais adiante, ele ressuscitou o filho da pobre mulher, que morrera inesperadamente (17:22). Depois de um longo tempo, o Senhor determinou: “Vá apresentar-se a Acabe, pois enviarei chuva sobre a terra” (18:1). Uma ordem simples e clara.
Nesse momento, ao invés de fazer o que Deus havia determinado, como de outras vezes, Elias estabeleceu, a seu próprio desejo, a necessidade de confrontação entre seu Deus e o deus do povo, Baal. Isso não era propósito de Deus, mas resultado de um complexo que Elias levava consigo e que declarou ao povo: “eu sou o único que restou dos profetas do Senhor” (18:22). Elias sabia que isso não era verdade.
Obadias, alguns momentos antes, havia declarado seu grande feito de conservar com vida cem profetas do Senhor (18:13). Elias matou os profetas de Baal e se alinhou às mesmas práticas de Jezabel, que também havia matado os profetas do Senhor (18:13). O ato de Elias foi uma afirmação pessoal de que seu ponto de vista era correto e que o de Acabe estava equivocado (18:17-18).
A atitude de Elias não refletiu a vontade de Deus. Ao contrário de fazer o que Deus determinou, ele preferiu seguir seu próprio caminho. Talvez a confrontação até tivesse sido positiva e é certo que muitos profetas de Baal e de Aserá perceberam seu erro. Mas não tiveram tempo de declará-lo, inclusive como um testemunho para muitos duvidosos que não presenciaram aquele grande ato. Foram mortos pelo homem de Deus.
Os momentos seguintes de Elias foram repletos de dificuldades, inclusive pela revelação do próprio Senhor de que Ele havia feito “sobrar sete mil em Israel, todos aqueles cujos joelhos não se inclinaram diante de Baal e todos aqueles cujas bocas não o beijaram” (19:18). Para sua surpresa, Elias não era o único.
Nosso Deus não é Deus de um só homem, mas de multidões. Mas isso é outro assunto.
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