Ao concentrar o foco de meus estudos sobre a Independência, os historiadores tradicionais privilegiaram dom Pedro I e seu ministro José Bonifácio, deixando de lado a atuação dos parlamentares brasileiros eleitos para as Cortes Constituintes em Lisboa e daqueles políticos que, por meio das páginas de efêmeros jornais que circularam no Rio de Janeiro, nas províncias e até mesmo na Europa, combateram não só em favor da separação como se opuseram ao retorno do absolutismo monárquico.
Nos últimos meses, porém, três pesquisadores vieram jorrar luz sobre uma zona escura de nossa História em que por quase 200 anos tem predominado uma visão monolítica, parcial e elitista da Independência: primeiro, Márcia Berbel com "A Nação como Artefato:
Deputados do Brasil nas Cortes Portuguesas-1821-1822"; depois, Isabel Lustosa com "Insultos Impressos: a guerra dos jornalistas na Independência – 1821-1823" e, agora, Renato Lopes Leite com "Republicanos e Libertários: Pensadores Radicais no Rio de Janeiro-1822". Os três livros erguem um imenso painel das aspirações que motivaram a separação do Brasil de Portugal e as lutas políticas que se seguiram.
Há muito de mistificação na história da Independência e o estudo de Renato Lopes Leite serve para mostrar que o episódio do “Fico” não foi uma unanimidade nem o Sete de Setembro teve à época a importância que lhe é atribuída pela historiografia da Independência. Pelo contrário.
Foi a convocação da Constituinte brasileira a 3 de junho de 1822 que teve maior relevância, porque deixava claro que os portugueses deste lado do Atlântico não estavam mais dispostos a aceitar o que as Cortes de Lisboa tentavam impor. Esta seria a verdadeira data a ser comemorada.
Por que, então, comemora-se o Sete de Setembro e não o Três de Junho? Ora, porque quem escreve a história são os vencedores. O Três de Junho foi um movimento que escapou ao controle do príncipe regente, depois Pedro I, e daquelas forças que se agrupavam em torno dele e defendiam o absolutismo monárquico, Bonifácio à frente.
Não foi, enfim, um ato da vontade do regente, mas conseqüência da intervenção da imprensa republicana. Como a história oficial mostra que a Independência nasceu de um ato voluntário de Pedro I, vencedor do embate entre as forças políticas, o Sete de Setembro acabou imposto e ficou no imaginário brasileiro.
À época, o que se entendia por republicanismo era o movimento que se contrapunha à monarquia absolutista, ou seja, aquilo que os papéis daquele tempo chamam de “governo constitucional representativo” ou governo misto estabelecido por uma Assembléia Constituinte. Em outras palavras: pouco tem a ver com a República militarista proclamada em 1889 por Deodoro ou com o caudilhismo das repúblicas hispano-americanas.
Há uma diferença entre o conceito de república do século 20 e o que se pensa do republicanismo no século XVIII e início do XIX. Em 1822, João Soares Lisboa, Cipriano Barata e frei Caneca, os principais artífices do republicanismo da época, manifestaram-se publicamente favoráveis à monarquia, desde que constitucional e representativa.
Os pensadores radicais republicanos não apoiaram o “Fico”. Sabiam que a permanência do príncipe regente no Brasil implicaria a sobrevivência de um regime monárquico absolutista. Agiram para fazer com que o regente retornasse a Portugal, abrindo espaço para a constituição de uma federação brasileira.
Para D. Pedro I e seu ministro José Bonifácio, a Constituinte de Lisboa era responsável pela disseminação do republicanismo no Brasil. Como exemplo, citavam o apoio de uma parte das Cortes portuguesas à junta governativa da Bahia, que ameaçava cortar os vínculos com o “centro do sistema”, ou seja, com a monarquia do Rio de Janeiro.
O gênio político de José Bonifácio reside na habilidade que teve para canalizar a indignação provocada pelas Cortes de Lisboa em favor de uma saída que contemplasse apenas um governo não-constitucional e absolutista.
Para José Bonifácio, a preservação do território da ex-possessão colonial, depois da independência, só seria possível com a presença de um governo forte, o que significaria a manutenção de poderes discricionários nas mãos de D. Pedro e, por extensão, nas suas. A importância deste livro está em provar que houve um pensamento republicano no Brasil da Independência.
Adelto Gonçalves http://www.nethistoria.com/index.php?pagina=ver_livro&livro_id=24
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